Por Lucas Mauriz e Rafael Kiyasu
Durante décadas, o treinamento específico para goleiros tem sido realizado de forma isolada, focando, principalmente, no ensino e aprimoramento de técnicas consagradas. O treinador responsável, geralmente, tem um tempo e um espaço pré-determinado durante as sessões de treino ou até mesmo períodos diferentes.
Nessas sessões de prática, as atividades são centradas no domínio das técnicas e nas repetições de ações individuais fora do contexto real do jogo. Todas as ações desenvolvidas são pré-programadas e pré-determinadas pelo treinador, o qual direciona exatamente onde irá ocorrer a finalização, além de ter várias tarefas no mesmo exercício.
Sendo assim, esse tipo de treino mecanicista preconiza o desenvolvimento das habilidades em um contexto fechado e controlado. O problema é que o futebol e o futsal são modalidades que acontecem em um contexto aberto, onde vários aspectos interferem na decisão e na ação.
Por conta dessa dinâmica, o ambiente de aprendizagem não prepara para as demandas que o jogo realmente requer, como por exemplo, a complexa relação entre companheiros e adversários e a constante necessidade de tomada de decisão. Levando isso em consideração, uma abordagem assume o pressuposto de que há uma relação mútua e recíproca entre o indivíduo e o ambiente: a dinâmica ecológica.
Visto isso, o treino tem que ser encarado como uma oportunidade para jogar melhor e, para isso, ele tem que representar o jogo com as demandas que requer. As atividades precisam conter alguns elementos invariantes que representam o jogo, como metas, bola e duas equipes que se confrontam.
Porém, o que tem o objetivo de ser a solução corre o risco de se tornar um problema, quando objetivos não estão alinhados e métodos impróprios são utilizados. Pensando nesta problemática que já existe no treino de equipes, torna-se ainda maior quando a transferimos para o treino dos goleiros, que é um elemento que tradicionalmente já é retirado da interação com seus companheiros por ter particularidades impostas pela regra. Entendendo que suas especificidades devem ser treinadas em separado, criou-se a figura de seu treinador particular.
Sabemos que um desempenho expert está relacionado à capacidade do indivíduo de captar e se sintonizar a sinais relevantes do jogo para que suas ações sejam mais eficazes. Diante disso, o treinador que conseguir definir quais seriam os estímulos relevantes que o goleiro necessita para sua boa performance seria muito mais representativo e, até mesmo, específico do que uma busca de padrões motores que resultariam em uma técnica geralmente alinhada a fatores de demanda energética desse movimento.
Sabendo que a presença de companheiros e adversários é um balizador essencial das ações dos goleiros, é necessário que, durante o processo de aprendizagem, os goleiros tenham interação com esses constrangimentos nos treinamentos. Com isso, por que esses constrangimentos estão pouco presentes no treinos dos goleiros? Por que os treinadores específicos e os treinadores de equipe não pensam o treinamento conjuntamente?
Uma proposta para responder essas perguntas é a criação de um departamento de metodologia nos clubes, onde profissionais de diversas áreas trabalham juntos para melhorarem a prática sistematizada com fundamentos teóricos. Esse departamento coordenaria as atividades através de princípios teóricos multidisciplinares, teria um canal aberto para comunicação de ideias com maior sintonia e seria responsável por criar cenários de aprendizagem representativos para as práticas que guiariam a emergência de comportamentos desejáveis.