A Identidade Interdisciplinar de Comissões Técnicas Pela Ótica Sistêmica

Por Paula Korsakas e José Aníbal Azevedo Marques

Nesse texto, refletimos sobre a qualidade das interações dos profissionais atuantes em comissões técnicas de modalidades esportivas coletivas à luz dos princípios da dinâmica ecológica. Destacamos a comissão técnica como um sistema complexo e a interdisciplinaridade como princípio central da sua atuação.

As comissões técnicas são multiprofissionais. Treinadores, preparadores físicos, psicólogos, fisioterapeutas, médicos, analistas de desempenho, entre outros, tem formações diversas e carregam bagagens especificas de diferentes disciplinas científicas.

Tradicionalmente, a atuação desse profissionais é multidisciplinar: cada integrante age dentro dos limites da sua área de conhecimento, analisam atletas e equipes pela lente particular do seu campo e intervém de maneira compartimentada. As interações entre as áreas, os processos de diálogo e decisão conjunta são, em geral, dispensáveis.

A atuação multidisciplinar sustenta-se na crença de que a soma das atuações especializadas é a equação para se atingir o todo do desempenho esportivo. Entretanto, esta forma de trabalho nos parece limitada (e limitante) em relação ao fenômeno do jogo em si e a integralidade da pessoas que jogam, pois “o princípio de separação […] nos torna cegos ou míopes sobre a relação entre a parte e o seu contexto” [1].

Por outro lado, a atuação interdisciplinar das comissões técnicas busca romper com as fronteiras disciplinares, estabelecendo vias de interação entre as áreas. De acordo com a abordagem ecológica, para o exercício interdisciplinar, a comissão técnica também deve ser entendida como um sistema unitário responsável por coordenar os processos de treinamento compartilhando princípios teóricos e práticos orientadores do planejamento e da intervenção.

A identidade interdisciplinar de uma comissão técnica, assim como os sistemas aninhados, deve interagir sinergicamente com a identidade e a cultura da instituição esportiva e da equipe, todos compreendidos como sistemas complexos inter-atuantes. Identidade aqui entendida como um processo de metamorfose, como movimento das transformações que a vai configurando em busca de emancipação expressa pela autonomia e autorrealização[2] .

A construção dessa identidade do todo (instituição-comissão-equipe) é forjada pela sinergia entre os valores, a visão de esporte e o propósito da organização, os princípios metodológicos da comissão técnica e as potencialidades dos jogadores.

Pensemos no modelo de jogo como um registro dessa identidade. Não como uma foto 3×4 (estática e parcial), mas um filme da paisagem tática [3] em constante movimento e metamorfose, na qual não só jogadores, mas também a comissão técnica inter-atua tendente à auto-organização e à emancipação, em relações multidirecionais coordenadas, mais fluídas e horizontais que abrem campo para a colaboração contínua [4], para as metamorfoses do modelo, para inovações na estruturação dos programas de desenvolvimento esportivo a partir desta identidade em que cada um se reconhece, mas cuja excelência da atuação emerge na sinergia.

Esse passo em direção à atuação interdisciplinar é fundamental para sustentar a organização do treinamento esportivo pela ótica sistêmica que, mais do um uma mera escolha metodológica, deve exprimir a visão de mundo e de desenvolvimento humano que a justifica.

 

[1 ]MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. (2003) In: GOMES, Luis; NAIME, Muza Antoninho (org.). Para navegar no século XXI. Tecnologias do Imaginário e Cibercultura. 3a. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS/Sulina. p. 13–36.
[2] Ciampa, A. C., Pescatore, C., & Almeida, J. A. (2017). O sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação. Psicologia e
Sociedade, v. 29.
[3] Ribeiro J, Davids K, Araújo D, Guilherme J, Silva P and Garganta J (2019) Exploiting Bi-Directional Self-Organizing
Tendencies in Team Sports: The Role of t he Game Model and Tactical Principles of Play. Front. Psychol. 10:2213.doi:
10.3389/fpsyg.2019.02213
[4] Otte et al. Specialist Coaching Integrated i nto a Department of Methodology in Team Sports Organisations Sports Medicine – Open (2020) 6:55 https://doi.org/10.1186/s40798-020-00284-5

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